Papo de master - Treinando sem relógio - Natação do RN

Natação do RN

Na piscina ou no mar,
o melhor da natação potiguar

Papo de master - Treinando sem relógio

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A temporada 2024 se foi e com ela, o que não se pode absolver diante de desafios e conquistas. Com isso, resolvi expor como foram algumas das principais conquistas de Águas Abertas, ao subir a um pódio nacional pela primeira vez, concorrendo a um circuito diferenciado, como foi o Circuito Nacional de Águas Abertas 2024 da CBDA.


Como aluno universitário, a realidade não mudou após 12 anos retornando ao desafio de encaixar horários de treinos, desta vez com o agravante de ter que se manter num trabalho profissional longe da universidade. Atleta que queira mesmo obter resultados otimizados precisa cumprir uma rotina de horários aproximadamente fixos, eu sei, minhas principais medalhas conquistadas fora do RN desde os anos 2000 são frutos disso. Hoje, enquadrando-se numa realidade "master", tornou-se inevitável ter que variar horários, seja por volta das 06h40, seja ao meio-dia, em pleno sol escaldante. E volume para rodar e ter que rodar mesmo era preciso manter, independentemente de quem treina 600 metros por dia, com medo de encarar uma prova de 5 km.

Acontece que desde 1996, quando praticamente não se tinha ouvido falar que outro atleta de natação treinasse sozinho naquela época por aqui, eu mesmo administrava "a receita do bolo". Começou com Zezé (+1998) meu ex-técnico me passando treino pra fazer sozinho, com volume de 5 a 6 mil metros por dia. Embora, as formas de treinamento tenham evoluído, especialmente para fundistas, toda aquela base antiga ainda tinha grande proveito e foi assim que a "receita do bolo" foi construída nos primeiros meses deste ano.

Daí que acabei impedido de obter um simples relógio cronômetro para treino. As primeiras provas do Circuito foram realizadas em Petrolina/PE, no Rio São Francisco, limite com Juazeiro/BA e, como ficou muito em cima da data, foi preciso assumir o risco dos resultados, treinando regenerativo até então.

Um barco levava os atletas para uma parte do Rio, com o trajeto sendo realizado "descendo" o Rio São Francisco a favor da correnteza, até a chegada. Por isso, os tempos dos atletas pareceram "impressionantes". Quem nada Águas Abertas sabe a diferença entre a qualidade do atleta treinado e os imprevistos aleatórios que não se aplicam numa piscina. É o que faz este esporte ter algo especial e diferenciado. 

Nem bem retornasse ao RN com uma prata e um bronze, chegando a publicar matéria não por vã-glória, mas para instigar a modalidade no estado, um atleta de renome procurou-me para me surpreender com os resultados obtidos. Esperava-se o mínimo de compreensão e respeito diante dos desafios próprios da modalidade, no entanto o que mais surpreendeu foi a forma como as mensagens foram direcionadas em particular, via rede social, demonstrando ar de desdém com uma sutil inveja.

O fulano havia sido campeão brasileiro master, quando a ABMN fez sua primeira competição de Águas Abertas no RN, em 2021, nadando os 1,5 km para 27 minutos, em plena forma física de uma tarde ensolarada em Ponta Negra "e" a favor da correnteza. Enquanto isso, eu tinha feito 22 minutos nadando às 06 horas da manhã num frio de rachar no mar de Fortaleza, praticamente sem correnteza alguma.

Não dá para conjecturar e comparar resultados assim, claro que não. No entanto, o que foi ali provocado acabou pondo em dúvida tanto o caráter de um grande atleta do RN, quanto o respeito que se poderia ter pelos maiores fundistas de nossa história. Sem dúvidas, hoje o RN tem seu maior velocista que nadando borboleta já deixa todo mundo lá atrás. Também, temos a maior nadadora recordista absoluta de todos os tempos.

Quando pesquisamos os fundistas, apenas um atleta nadou os 1.500 m Livre abaixo de 18 minutos, diversos outros nadaram a prova mais longa de piscina entre 18 e 19 minutos (inclusive eu que escrevo), isso desde a década de 1980. Também, dois atletas fizeram os 400 m Livre abaixo de 04:20.00, enquanto diversos outros nadaram essa prova entre 04:20 e 04:30. Estabelecer quem seria o maior fundista do RN até então não passa pelo crivo de recordes absolutos, quando se apresentam diversos atletas entre os 400, 800, 1.500 Livre e também, os 400 Medley. 

Com o advento das Águas Abertas, os tempos e recordes não podem ser contabilizados, embora se trate de outra modalidade. Mas se pudéssemos comparar resultados de piscina com resultados do mar, considerando a metragem em relação ao número de vitórias, ainda sim se tornaria muito subjetivo dizer quem seria o maior fundista da história do RN.

É certo que tivemos bons fundistas outrora, hoje carecemos deles. Vivemos uma crise de nadadores de fundo no RN, como se todo mundo tivesse nascido para nadar 50 ou 100 metros, como se sua musculatura naturalmente tivesse que ser forjada a se adaptar a provas curtas. Um pai havia questionado, uma vez, porque um técnico daqui tinha inscrito seu atleta em 06 provas num Norte-nordeste tendo que nadar os 400, se seu filho só gostava de 50. Imagine passar 04 anos numa universidade para ter que dar uma resposta sobre isso, como se aquele técnico não soubesse o que era melhor pro seu atleta.

Embora aquela provocação inicial tivesse contribuído para instigar minha temporada, das 10 provas nadadas que somaram 30,5 km competindo no circuito nacional, a prova mais significativa foi, sem dúvida, os 2,5 km da etapa em Fortaleza/CE, no dia 02 de junho. Isso porquê na semana anterior à competição, repentinamente eu tinha contraído uma gripe e fiz de tudo para contornar seus efeitos.  Antes dos 2,5 km, eu ainda teria que nadar os 1,5 e os 5 km dentro de uma sequência de três grandes provas.

Cheguei a nadar a primeira prova, os 1,5 km com febre ainda, por volta das 06h20 da manhã. Por outro lado, o mar também me ajudou: No outro dia, nadei os 5 km um pouco melhor da febre. Acredito , mas devido a uma tontura em meio ao circuito de 2 voltas, acabei confundindo qual lado da passagem de uma das boias (se com ombro esquerdo ou direito), por isso após terminar e vencido a prova dos 5 km, o árbitro me desclassificou. Imagine o abismo que ficou diante disso tudo, ao se recuperar de uma gripe e ser desclassificado após nadar 5 km! A tarde daquele sábado não foi fácil pra mim, eu me lembro como hoje, cheguei a chorar, depois de tanto tempo sem sentir essa emoção no esporte.

Cerca de 12 horas antes da última prova (treino de condicionamento de lactato), levantei da cama e fui treinar assim mesmo à noite. No dia seguinte, fiz todo aquele ritual de aquecimento e me esqueci dos adversários que tinha na prova. Só me lembrei de uma pessoa: a minha mãe. Fiz toda a prova me lembrando do que a minha mãe passou na vida, ignorei aquela gripe, esqueci o lamento de uma vitória nos 5 km com desclassificação no dia anterior. Só pensei nela. Até que quando concluí os 2,5 km, veio o ouro, com o primeiro título do ano. Daí seguiram as demais provas do circuito até concluir a temporada com 04 ouros, 03 pratas, 01 bronze e o título de vice-campeão brasileiro do Circuito Nacional de Águas Abertas 2024.

Um detalhe é que passou-se toda a temporada e eu não treinei com relógio. Logo após a vitória naqueles 2,5 km da etapa em Fortaleza, resolvi continuar instigado até o fim da temporada treinando sem relógio. Como eu fazia séries de 50x100 ou 5x10x50? Simples: controle do número de respirações e controle de intensidade por batimento cardíaco. É o tipo de situação levada ao máximo de subjetivismo. Não se aconselha assumir uma temporada assim pra ninguém. Siga seu técnico mesmo.

No entanto, não seja pela falta de um equipamento ou outro que você desistiria de encarar seus desafios. Por várias vezes, as liguinhas do palmar se romperam e eu não tive como supri-las de imediato, assim como teve vezes que treinei esquecendo os óculos em casa ou até me cortando ao tocar entre os azulejos da borda da piscina. Isso aos 45 anos de idade. E imagina o que eu não fiz quando tinha 17 anos em 1996, ao passar com 01:01 nos primeiros 100 dos 400 livre dos JERNs daquela época...

Conquistar esses títulos, muito além da vã-glória em si, eu sei que instiga mais e mais atletas a se manterem ativos no esporte e alimenta a vontade de fazer algo mais. Não seja por uma provocação infantil de quem se guardava tanto respeito e admiração que a resposta não viria, desta vez, registrada nos resultados oficiais da CBDA. Em 1996, o fulano teve sua chance e aproveitou, e todos esses anos se passaram até ele mesmo se dispor de um ano inteiro para treinar, mas não quis me encarar onde eu seria mais forte. O costume da época era chamar de "pato".

Provocações à parte, o RN tem sim seus grandes atletas, sejam os atuais velocistas, sejam os fundistas de outrora, não podemos deixar de "dar a César o que é de César". Um e outro fazem o espetáculo do esporte em nossas piscinas e no mar. Ainda que alguém tente bagunçar tudo isso, vai ser preciso recolocar cada um no seu devido lugar. Só não podemos permitir atitudes antidesportistas até mesmo fora das piscinas, provocadas pela incapacidade de aceitar o óbvio: você teve sua chance, agora veio a minha.

A chance daquele grande atleta do RN foi exposta em provas de velocidade restritas a um redil estadual dos anos 2000. Até mesmo hoje na categoria master, o que se demonstra em seu histórico são resultados estritamente selecionados de campeonatos onde não se tinha mais que um grande atleta do sul/sudeste que viesse ao nordeste. Ou seja, o fulano nunca encarou os maiores velocistas do Brasil, nem mesmo na sua categoria master. Já eu não posso dizer isso de mim mesmo, porque, independente dos resultados, por um lado tem quem encara seus adversários, por outro tem quem se amedronte, preso ideologicamente a ideia numérica de tempo... (Ei fulano, eu também sou campeão estadual sênior dos 200 peito, tendo nadado com um atleta que fazia 02:40 na época, pergunte a ele como eu venci...).

Se pelo cansaço ou não, alguém andou esquecendo as estratégias de prova, que são 08: 04 de ataque e 04 de defesa. Uma delas determina a perseguição do adversário forçando ele a se cansar, sabia disso? Ah você não assiste às olimpíadas ou acha que é tudo igual nos 400 livre? Assim como nadei inúmeras vezes os 100 livre do lado daquele fulano sem medo algum de encarar o desafio, espero que um dia ele se digne nadar os 5 km do meu lado, porque ainda tem outras 07 estratégias, e uma delas Michael Phelps insinuou: nadar com inteligência.



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