Papo de master – "Pato" - Natação do RN

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Papo de master – "Pato"

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Quem já passou da infância e adolescência traz consigo alguma recordação de momentos marcantes vividos na escola, inclusive relacionados ao esporte. Tratar de bullying é assunto complexo por um lado, mas por outro é possível trazer algumas reflexões do que se pode tirar de lição entre aquilo que foi vivido e a oportunidade premente de mudança. Já vi pessoas odiarem o bullying, a ponto de cultivarem atitudes extremas de convívio social como numa simples competição esportiva, ao passo que outros parecem se nutrir de provocações para se sentirem "instigados".

Quando eu era garoto, devia ter uns 14 anos de idade, havia uma provocação entre nós da equipe de natação. Simplesmente, a gente chamava de "pato" quem ficava atrás nas provas. E isso era durante os treinos de prova longa, como nos tiros de 800 ou de 1.000 m, quando alguém conseguia botar 50 metros na frente do outro, ou mesmo na competição, quando alguém conseguia botar um corpo de diferença em provas de velocidade. E o fulano ficava sendo chamado de "pato" por um bom tempo, até responder treinando mais forte.

Hoje, se percebe algo salutar nesse tipo de provocação, porque não gerou humilhação nem constrangimento desproporcional, mas ao contrário, era uma forma de instigar a competitividade dos retardatários, de modo que eles não se convencessem da derrota em si. E assim, nessa troca de quem estava à frente e atrás, a competitividade provocada acabou gerando diversos campeões naquela época. Muitos deles ainda hoje se pode encontrar no Top 10 FINA Master de 2018, 2019 e 2022, aqui mesmo do RN.

bullying das décadas de 1970, 80 e 90 era bem diferente do de hoje. Naquela época, provocações assim geravam reações vitoriosas, porque conseguiam desarticular o comodismo de quem havia ficado pra trás. Se alguém fizesse os 800 abaixo de 11 minutos, ninguém se ofendia porque o outro queria fazer abaixo de 10 minutos. Não era o numeral da grandeza "tempo" que determinava seu limite, era algo que envolvia mais do que o individualismo de uma modalidade. Você fazia parte da equipe quando fazia valer seu lugar na equipe.

Em determinada palestra, o filósofo historiador Leandro Karnal citou algo preocupante e até mesmo assustador praticado numa escolinha de São Paulo. Num jogos internos, os professores haviam decidido dar medalhas a todos os garotos de forma igual, tanto pra quem chegou em primeiro, quanto pro retardatário que chorava a derrota. E o questionamento feito durante a palestra se replica aqui: Quem e como se pensa estar formando esse tipo de geração acomodada à derrota? Acomodada ao "prato feito"?

Na área da psicologia, alguns estudos apontam para uma inversão de polaridade com os chamados "homens femininos" e "mulheres masculinas". Não se trata de relações de gênero ou sexualidade, mas de visão e forma de encarar a realidade, ao se perceber cada vez mais homens tímidos por escolha proposital e mulheres destemidas por circunstâncias abrangentes. Homens cujo corpo produz testosterona por natureza em proporção bem maior do que mulheres, de repente não têm coragem de trocar o botijão de gás em casa; enquanto mulheres pegam 80 ou 90 kg em aparelhos de academia e têm mais atitudes para dizer o que é certo ou errado na educação dos filhos.

Certamente, existem relações implícitas e amalgamadas de como se encara o mercado de trabalho ou uma prova de um concurso, quando não se soube encarar uma simples competição de escolinha na infância. Existe sim como apontar as consequências provocadas pelo bullying nos dias de hoje, por ter-se tornado algo bastante violento e traumatizante. E acredita-se que isso se deva ao fato de como as circunstâncias foram-se dando ao longo das últimas décadas e de como a facilidade ao acesso aos bens e tecnologias foi provocando comodismo, principalmente psicológico. Porque comodismo físico pode ser relacionado à lei da inércia, mas comodismo psicológico foge das leis da Física e entra no campo do relativismo puramente ideológico.

bullying hoje tornou-se bastante preocupante, porque ele consegue encontrar um território para provocar com mais intensidade humilhação e constrangimento. Ao gerar reações de ódio e enojamento, o bullying de hoje não produz atitudes vitoriosas, não produz "volta por cima", porque gera ainda mais medo e comodismo. E como tal, o bullying deve ser pensado e levado a sério, considerando a necessidade de aquisição de certas capacidades, ainda que seja preciso criar atitudes paralelas aos traumas causados. Cultivar e fortalecer essas novas atitudes pode gerar vitória sobre o bullying, pode gerar mais do que o "dar a volta por cima".

Bem, foi preciso relembrar o que aconteceu comigo lá aos 14 anos de idade, para poder comparar como o bullying pode se tornar um costume, se não for combatido. Quem praticou bullying e nunca sofreu o impacto de suas consequências acaba guardando em sua memória “fugas psicológicas”, de modo a replicar tais atitudes sempre que determinada situação se repete, principalmente quando encontra uma vítima ideal. E isso se projeta para além dos 30 anos de idade, como é perceptível em pessoas que passaram até mesmo dos 50 anos.

Existe uma percepção recíproca entre quem praticou bullying e quem foi vítima. É claro que a vítima precisa responder, precisa ter ferramentas de combate contra o bullying e criar atitudes paralelas para superar suas consequências. Por outro lado, além de ser combatido, o autor do bullying precisa compreender as consequências de suas atitudes, através de reflexões e do sentimento de culpabilidade, capaz de deter seu impulso. Quem pratica bullying tem o prazer de humilhar, tem o prazer de se sentir por cima de alguém, tem o prazer no autoritarismo.

Por outro lado, esse prazer em humilhar esconde o medo de se sentir rejeitado. Dá pena ao compreender esse mecanismo de revolta interior, quando o autor do bullying não passa de um coitado que interiormente não aceita a derrota pra si mesmo. E sofre de perfeccionismo. Sua relação social com família ou amigos é de tal forma fechada em si mesma, de modo a buscar justificar a pertença a esse grupo como forma de expungir e com isso, surgir o prazer em humilhar quem não pertença a seu grupo.

Hoje, “pato” talvez não provoque tanto impacto e reação, quanto aprender a reagir diante de outras circunstâncias da vida, como no trabalho ou na família. A mudança de ambientes, o quão mais diverso possa ser, favorece desbloqueios mentais relacionados ao bullying sofrido e potencializa atitudes libertadoras. Isso, claro, acompanhado de pessoas especiais que se possa cultivar amizades saudáveis e verdadeiras.

Especialmente, na categoria master” é possível encontrar exemplos de pessoas que se envolveram de tal forma com competições, a busca de encontrar sua potencialidade perdida por supostos bullyings sofridos. Existe até quem odeie bullying de forma extrema, a ponto de descontar na água a vontade de se vingar”. Por mais que não venha o recorde, o encaixe daquela braçada demonstra muita coisa que ficou engasgada.

É preciso botar isso pra fora sim e não se acomodar. Não se permita fugir de circunstâncias que relembram o bullying sofrido e assim, se acomodar a ele, ao deixar que ele continue existindo. Mas ao contrário, busque atitudes renovadoras em ambientes com pessoas saudáveis, como forma de combate. Torna-se libertador não alimentar as provocações de quem pratica o bullying, nem que para isso uma simples competição demonstre superação.

Nadar também é uma atitude de interiorização com coordenação de movimentos. Nadar é mais do que um esporte, é mais do que uma simples atividade física de domínio sobre a água. Para além de um estilo de vida, nadar passa a ser libertador quando se atinge a compreensão para além do tempo registrado numa prova, quando aquele encaixe da braçada se torna mais um degrau cada vez mais longe das feridas do bullying, cada vez mais perto de si mesmo.

“pato” continua sendo aquele que ficou pra trás, aquele que se deixou acomodar. Muito além daquele que sofreu, o verdadeiro “pato” é aquele que provocou bullying e tem um medo extremo de revelar o pior de si mesmo. Dá até dó. Mas quem fica à frente é quem conseguiu superar, mas superou muito mais do que o tempo de uma prova, quem soube encaixar a braçada e encontrou no sentido de nadar outra forma de se identificar.



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