O título de uma conquista esportiva poderia parecer algo bastante fácil e comum de se entender, mas no caso da nossa língua portuguesa, a semelhança entre alguns termos provoca às vezes, alguns preconceitos. Trata-se, talvez, de vícios de linguagem corriqueiros que podem chegar a confundir um título nacional com a necessidade de ser o número "um", entre todos os mais de 215 milhões de brasileiros.
Uma das consequências da globalização está no cruzamento de termos advindos de línguas diferentes da língua materna e que permitem ampliar a compreensão de símbolos e ideias. Na natação por exemplo, não existe tradução em português para "pull-bol" e algo ainda se tenta explicar para "stream-line" ou se entender a palavra "master". São formas resultantes desse cruzamento permitido graças à interação entre culturas diferentes, mas que possuem algo em comum no esporte.
Por outro lado, poderia não ser responsabilidade do jornalismo determinar com exatidão essas "traduções", assim como entender a complexidade a se aplicar em provas com distâncias, se seriam ditas no singular (por se tratar de uma prova) ou no plural (em relação ao numeral relacionado à distância), como em "o 100m livre" ou "os 100 livre". Lá no inglês não existe problema para "the event 100 m free" (a prova de 100 metros livre). E por não assumir a responsabilidade de elucidar a forma como tais termos acabaram entrando no cotidiano esportivo, existem muitos jornalistas esportivos que facilitam e até valorizam muito mais os termos de outras línguas do que os que usa em sua língua materna.
Assim, as pessoas vão se acostumando a esses termos de uma forma tão natural que preconceitos grotescos gerados por jornalistas esportivos chegam a diferenciar a palavra "brasileiro" de "nacional". Os preconceitos ficam ainda mais evidentes, se um húngaro ou um chinês não chamar a boia usada entre as pernas para trabalho de braçada de "pull-bol".
A expressão "campeão brasileiro" é outro exemplo mais que destacado de nosso cotidiano que carrega preconceitos. Existem aqueles que têm dificuldades em aceitar tal comparação com um título nacional ou algo equivalente a "campeão nacional". Por exemplo, o RN possui vários nadadores masters campeões nacionais estritamente de sua categoria. Mas nem todos gostam de tal comparação, se não disser que seriam "campeões brasileiros".
O termo "brasileiro", no caso, parece carregar algo especial e diferente de "nacional". De alguma forma, se não puder ser determinado o que de especial teria, é preciso trazer à luz a necessidade de esclarecer tal relação equivalente.
De onde vem "brasileiro"
As palavras que terminam com "-eiro" no português indicam profissão: ferreiro, barqueiro, gesseiro, maqueiro, pedreiro, engenheiro etc. Originalmente, há cerca de 200 anos, a palavra que indicava quem manipulava brasas tanto nas antigas locomotivas de trem quanto mesmo durante um churrasco caseiro da elite portuguesa era "braseiro".
Em artigo publicado, Éder Cabral e Ernani Mügge* sugerem que "braseiro" passou a ser pronunciado como "brasileiro" inicialmente por estrangeiros, ainda no início do século XVIII (CABRAL, 2022). Enquanto "braseiro" se enquadrava na forma correta de se referir, "brasileiro" tornou-se um termo chulo equivalente e que aos poucos foi-se tornando comum: profissão de quem manipulava brasas.
Se fosse possível manter essa relação de sentido até os dias de hoje, dizer que alguém seria "campeão brasileiro" seria o mesmo que dizer "campeão dos que trabalham com brasas".
Enquanto no Brasil a palavra "brasileiro" equivalia a uma profissão, foram os estrangeiros que distorceram seu sentido para se referir a quem nascia no Brasil. Naquela época, os nascidos no Brasil eram chamados de "brasilienses" (o que se enquadrava nas exigências da língua da época). Esse talvez tenha sido um dos primeiros cruzamentos de termos entre a forma estrangeira e a língua materna, no caso, adaptados para sentido diverso do original da língua falada no Brasil.
O "nacional" dos EUA
É sabido que os EUA forjaram um erro linguístico ao se referir a si mesmos como "americanos", desde a criação da ONU, no intuito de dominação exclusiva do continente em relação a todos os países da América no pós-guerra. Essa maneira de se referir acabou criando raízes, de modo que já se passaram 2 ou 3 gerações aprendendo a chamá-los de "americanos". E isso foi se tornando trivial – um dos preconceitos mais grotescos de se romper.
É um erro chamar os campeonatos dos EUA de "americanos", pois isso refere-se a todo o Continente Americano, desde o Alasca, passando pelo Canadá até chegar entre a Argentina e o Chile. A propósito, o termo "estadunidense" existe e é o mais adequado a se referir no português, quando se trata de EUA.
Conquistar uma medalha de nível nacional ou participar de uma seletiva olímpica nos EUA precisa passar pelo crivo dos campeonatos "nacionais" de lá. No inglês, eles também não têm problema em chamar seus campeonatos de "nacionais" ("national championship"). Um aspecto interessante da cultura estadunidense é que "nacional" determina uma conquista interna mais que importante.
Título brasileiro – título nacional
A Era Virtual, de certa forma, facilitou bastante a realização de campeonatos nacionais no Brasil. Até início dos anos 2000, não se ouvia muito falar em campeonatos nacionais, especialmente para categorias. Não se trata de uma federação aqui ou ali, mas se a própria CBDA promove uma competição a nível nacional, que engloba todos os 26 estados do Brasil e o Distrito Federal, o que dizer de quem conquista um título nesse tipo de competição?
Com a facilitação de informações e procedimentos, a dinâmica de produzir atletas desde as categorias de base até o alto rendimento fez com que campeonatos não ficassem tão restritos à elite de forma "absoluta". A elite da natação "brasileira" continua disputando medalhas e vagas para outros campeonatos importantes. Isso não impede que outros atletas conquistem também títulos nacionais equivalentes e isso provoque um ciclo que aumenta a competitividade.
O RN possui vários campeões nacionais. Das modalidades aquáticas, especialmente a natação, temos apenas 02 campeões absolutos a nível nacional: Ana Catarina Azevedo e Marcos Macedo. Quando nos estendemos às categorias, uma lista com mais de 50 nomes surge desde o petiz, passando pelo infantil, juvenil e sênior até o master.
Por outro lado, ao tomar os melhores tempos de cada prova de uma competição nacional master, é difícil contar quantos campeões nacionais o RN teria. Se não houver preconceito em chamar de "campeões brasileiros", é preciso pontuar que são campeões estritamente nacionais de sub-categorias dentro da categoria master.
Contudo, antes de confundir algo que se enquadra perfeitamente num título nacional, o título de "campeão brasileiro" precisa ser entendido da forma como foi-se acostumando ao incluir "brasileiro" em evidência. É algo que foi-se enculturando naturalmente ao longo de quase 2 séculos. Apesar de sua origem, com o tempo, "brasileiro" ganhou conotação especial e exclusiva, ao se referir a um título nacional. O que não se pode confundir é a diferença entre um título absoluto e um título de categoria. Apesar da diferença, ambos são títulos nacionais, ou seja, título "brasileiro" que merece prestígio e respeito.
* Referência:
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