Papo de master – Se não pode ajudar...

Daquelas brincadeiras infantis, um dia lá em casa houve uma obra (...). Eu devia ter uns 08 ou 09 anos de idade e ficava ali perto dos pedreiros acompanhando, mas não conseguia me conter e tentava ajudar pegando uma pá aqui ou tentando carregar um carro-de-mão ali. Quando então, me esbarrei no limite e quase causei um acidente derramando todo o material do carro-de-mão. Um dos pedreiros correu pra me socorrer e disse algo que surtiu um efeito pro resto da minha vida: "Se não pode ajudar, não atrapalhe"!

Piscina do CAIC/Lagoa Nova em Natal/RN. Créditos: R. Torquato


Já aos 17 anos, ao me preparar para os JERN's 96,  a mudança de estratégia de prova dos 400 m Livre em cima da hora acabou surtindo efeito bastante salgado, ao experimentar que "de boas intenções o inferno está cheio". Foram lições que não puderam ser esquecidas, hoje, diante de uma problemática envolvendo a situação da natação brasileira em relação à política atual.

É possível escolher um lado, o lado da evidência, e se ater a um princípio cujo intuito esteja no "bem maior". Isso porque tornou-se mais que evidente a disputa política não só na esfera governamental, como em esferas menores dentro do universo de abrangência de entidades, associações, equipes ou grupos. Fugindo dos princípios que regem suas formulações em documentos oficiais, a disputa política além de ter-se tornado um jogo infantil de "polícia-ladrão", está aleijando, de forma retardatária, cada vez mais os passos que poderíamos ter dado em relação às grandes potências da natação mundial.

Temos um recordista mundial e olímpico nos 50 metros livre. Embora seja genuinamente brasileiro, acaso poderíamos bater no peito (como ele fazia antes de suas provas) que a "nossa natação" produziu esse único campeão olímpico? Quantas vezes ele não repetiu em entrevistas que seu treinamento teve que ser nos EUA antes de suas grandes conquistas na natação e não aqui no Brasil? Alguma relação com o 7x1 pra Alemanha? Talvez, pior, o placar devia estar 280x1 pros EUA. Os EUA possuem mais de 280 medalhas de ouro olímpicas só na natação em 123 anos de olimpíadas da Era Moderna, enquanto o Brasil mal conquistou uma.

Isso seria motivo de vergonha? Claro que não, mas sim de orgulho. O que nos envergonha mesmo são disputas incoerentes e retardatárias que ao invés de ajudar, "só atrapalham". Supostamente revestidas de "boas intensões", essas discordâncias antecipam o inferno ao causar a sensação de não termos um "norte" ou estarmos perdidos em relação ao lado político escolhido.

Cada medalha conquistada numa piscina mundial ou olímpica nos orgulha sim. Sem dúvida, nossos nadadores fazem por merecer. Nem queira comparar um jogador de futebol correndo 10 km com uma série de 100x100 na piscina (na água, eu garanto que o esforço é bem maior). Porém, se medir esforço desse o show, empresas patrocinadoras iriam direcionar seus holofotes em outra direção, com certeza.

No entanto, estar vítima de patrocinador para alavancar uma modalidade esportiva diante do esbarro político beira a humilhação. Aprendi uma coisa intuitiva com os americanos, quando uma situação exige chantagem, que é reverter os papéis e tornar-se o dominante. Para isso, vale-se simplesmente dos próprios punhos, dos próprios braços, ao invés de ficar esperando favor. 

Poderia ter sentido o gosto amargo do 4º lugar nos 400 Livre dos JERN's 96, mas foi doce e saboroso o prazer de mostrar para muita gente o quanto eu fui capaz de ir longe – sozinho. Não por orgulho próprio de um desnutrido maltrapilho, mas ver antigos adversários fugirem das séries de provas seguintes fez-me perguntar se eu seria tão feio assim diante do bloco de partida ou se meu joelho direito em perfeito estado causaria algum receio.

Converter algumas lições de vida em linguagem que auxilie e norteie beira o desafio de contribuir, por achar que nossa natação jamais precisaria humilhar-se ao ponto de estar dependendo de patrocinador ou favor de um Presidente que não mede o nível de competitividade e desenvolvimento de seu país através da natação. Onde está o nosso plano B?

Deve existir um limite para a relação de apoio mútuo entre atleta e patrocinador, quando a partir daí se torna uma relação de chantagem entre dominante e assalariado. Se o patrocinador não pode ajudar, não podemos nos deixar atrapalhar pela suposta dependência dele. Se o presidente do Brasil também não pode ajudar, idem, não devemos nos curvar diante de qualquer intuito de humilhação através de suas chantagens.

Precisar de patrocinador é importante? Com certeza sim, sem dúvida. Isso, quando ambos os lados saem ganhando; quando a consciência de patrocinar enxerga a repercussão positiva não só de seu nome envolvido numa conquista a curto prazo, mas em acreditar que sementes de incentivo ao esporte estão sendo plantadas a longo prazo. Essa relação que ultrapassa resultados imediatos só surte efeitos positivos, se houver a sensibilidade em acreditar para além de uma relação de troca, sem a qual jamais se produziria heróis da natação brasileira em escala semelhante às grandes potências.

Um ponto positivo disso tudo nos faz perceber a necessidade de reciclagem e busca de alternativas. Uma reciclagem de princípios mais aprofundada acerca do que norteia a existência e necessidade de entidades que promovem o desporto a nível nacional, regional ou estadual. A partir dessa reciclagem, que se surta o efeito de um maior comprometimento daquilo que está previsto na legislação e em estatutos, de modo que o "bem público" não seja confundido como algo a ser manipulado de forma privada, mesmo por 03 ou 04 anos na presidência de confederações, federações ou associações.

O esporte é um bem público. Nossa natação como modalidade, por mais individual que seja uma ou outra conquista, também deve ser vista como interesse público, através daquele incentivo que deve partir das esferas governamentais em primeiríssimo lugar. Mas se não o fazem, se seus interesses mesquinhos partidários comprometem nossos resultados na piscina, que não atrapalhem o desenvolvimento do país; não atrapalhem as construções de novos centros de treinamento; não atrapalhem o surgimento de novos talentos; não atrapalhem nossas competições não premiando quem mais merece; não atrapalhem nossas viagens para eventos importantes ao levar a bandeira do Estado ou do país; não atrapalhem o ciclo olímpico de quem está há quase 10 anos treinando por um sonho. Não atrapalhem.

Devem existir formas alternativas de não depender de incentivo do governo ou de patrocinadores, além do impeachment ou de assinar contrato com a concorrência (se o Brasil não for socialista e houver de fato concorrência entre empresas ditas capitalistas). Que tais alternativas não se detenham na "boa intensão", ao correr o risco de provocar um inferno de humilhação chantagista, como a natação brasileira tem passado diante da atual conjuntura da Presidência da República: Nossos nadadores medalharam no último mundial em Gwagju/Coreia do Sul, bateram o recorde de medalhas conquistadas no Pan-americano de Lima/Peru e nem por isso se soube de qualquer honraria por parte da Presidência da República, como fez com a Seleção Brasileira de Futebol na conquista da Copa América.

Saída temos sim. Apesar de o "gigante pela própria natureza" ter adormecido, que ele acorde com a coragem de concordar em alinhar-se a um ideal. Que o gigante acorde querendo ajudar sim, mas sem atrapalhar o que estava sendo feito tijolo a tijolo. Porque é inerente ao bem público que recursos previstos à destinação para incentivo ao esporte sejam administrados como se convém, ao invés de estarem vítima de conjunturas políticas chantagistas que envolvem empresas ligadas a interesses egoístas. Se não pode ajudar, não atrapalhe. E caso atrapalhe, assina contrato com outra empresa concorrente ou dá entrada no Congresso com pedido de impeachment.



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