Das experiências de afogamentos que cada um pudesse ter, em menor ou maior grau, uma delas se tornou preponderante para transformar a realidade de um simples garoto de periferia em alguém que ousaria ser campeão dos 5 km de Águas Abertas a nível nacional. Em momento algum ali em 1992 se pensou na grandiosidade que se tornaria sentir de perto um momento olímpico, ao se deixar desafiar pelas primeiras aulas de natação cujo intuito era apenas vencer um adversário guardado dentro de si: o medo. Foi essa reação ao medo do mar, ao medo das águas, que aos poucos traumas antes difíceis de se imaginar foram superados.
Algumas campanhas contra o afogamento citam números e estatísticas na tentativa de convencimento para que a prevenção se torne uma luta contra os drásticos acidentes no ambiente aquático. As poucas escolas de natação e os poucos profissionais envolvidos acabam influenciando de certa forma as estatísticas, principalmente quando o assunto é superar um medo ou um trauma. Torna-se um desafio adequar uma linguagem de convencimento na prevenção, quando por outro lado, a melhor linguagem foi determinada pela própria sobrevivência a um afogamento. Foi o que aconteceu comigo em 1988.
Eu devia estar com quase 10 anos de idade, admirando quem sabia fazer aquelas viradas olímpicas, sumindo na piscina e surgindo do outro lado nadando. Eu sequer sabia boiar na água. A família tinha ido à praia, quando em dado momento, uma de minhas irmãs mais novas deu sinal de socorro se afogando. Numa reação inconsciente, sem saber de nada de natação, eu que estava ali perto, comecei a me desesperar e saí dando braçadas e saltos de qualquer jeito por entre as ondas, até me aproximar dela; o restante da família estava na areia da praia. Pequenina de 06 anos, minha irmã Fabiana mal conseguia se manter estável, se debatendo à procura de ar, enquanto eu me aproximava dali. Daí que senti que enquanto a maré subia, ela estava a se debater sem apoio algum e mesmo eu tendo maior estatura, também comecei a me afogar diante de um buraco ali na praia.
Deu tempo gritar por socorro e alguém vir nos salvar pra poder contar essa história aqui. Ao mesmo tempo, algo inesperado me veio à mente naqueles últimos segundos que eu poderia ter tido de vida: Segurei o ar pela última vez enquanto estava perto dela e desci pro fundo pra segurar pela cintura e jogar minha irmã acima do nível da água enquanto ela conseguia respirar. Alguém então estendeu a mão e conseguiu me tirar dali, depois que minha irmã já estava a salvo.
Ali na praia, enquanto a gente se recuperava, eu olhei pro mar e como nessas expressões que uso para instigar a garotada de hoje, “encarei” e disse: “Um dia eu volto pra vencer você”. E assim, a natação se tornou mais que necessária pelo desafio assumido para além das mais de 400 medalhas conquistadas desde aquele tempo.
Foi assim que dei privilégio a aprender a nadar imediatamente, para superar aquele trauma de afogamento e estar pronto para enfrentar o mar e todas as suas adversidades. Em momento algum pensei em provocar adversários, tampouco esnobar algum título contra os nadadores ditos “de elite” do nosso estado. Depois de “master”, reencontrar alguns com aquele mesmo estigma de outrora parece que o tempo estacionou pra eles, ao invés de ter evoluído.
Não se trata de “ossos do ofício”, mas de uma mentalidade sorrateira, quase retardada, que chega até a atingir o status da Federação Aquática Norte-Riograndense, recentemente vítima de intervenção jurídica. A finalidade da promoção do esporte e especialmente, da natação passa por um comprometimento para além do interesse meramente financeiro com tom de “vingança pessoal”. Se por um lado a superação de um trauma de afogamento causou essa relação com o esporte, por outro é necessário manter o foco em suas raízes para não se deixar envolver com essas drásticas realidades acumuladas desde quando a antiga associação de master foi destruída em 2016.
Isso significa que quando eu entro numa piscina para fazer 800 metros apenas relaxando, aquele momento único me conecta com toda a minha história pessoal, desde quando aquele afogamento foi superado. E relembrar alguns títulos tende mais à vaidade do que ao “super heroísmo” midiático, quando eu mesmo destaco fulano ou ciclano nadador “master”, a ponto de ironicamente se ouvir o contrário do que ele fala de mim por aí. Talvez seja a sua forma própria de agradecer, talvez ele não entenda o que é “amar o inimigo” ou que a gravidade num buraco negro pode ter sentido invertido.
Hoje, estar vivo para contar essa e tantas outras histórias, sejam vitoriosas ou gloriosas, remete ao momento de uma única oportunidade de fôlego, um último fôlego. Um fôlego que se tornou penúltimo, se não tivesse havido aquele salvamento. Olhar para aquele master que fez abaixo de 19 minutos nos 1.500 nas décadas de 1980 ou 90 é a mais pura vaidade, diante da grandiosidade daquela mão estendida para me tirar dali, daquele penúltimo fôlego. Só quem viveu e sentiu um afogamento e voltou pra contar a história sabe do valor que a vida tem nesse momento limite.
E a natação, seja em piscina, seja no mar, parece trazer esse anseio por esse toque divino por entre as águas, até quando for possível continuar neste ciclo interminável de fôlegos pairando sobre as águas. Um estilo de vida próprio que carece de respeito pela oportunidade não minha, mas de quem permitiu que eu ainda estivesse por aqui...


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