Na década de 1990, no campeonato
estadual do RN, os irmãos Carlos e Rodrigo Passos nadavam o 1500m no estilo Costas.
Sim, os caras muitas vezes medalhavam diante de 08 ou 10 inscritos no
campeonato estadual. O estilo Costas permite maior facilidade na respiração aérea,
e de alguma forma eles adaptaram seu estilo à prova. Nos dias de hoje, eles
seriam nadadores masters. E se tivessem que nadar o 1500m no estilo Costas nadando
02 por raia?!
Nas provas do nado livre é possível executar
qualquer estilo durante o percurso. Durante o campeonato brasileiro master realizado em Natal em 2018, o nadador Antônio Afonso Rodrigues do estado de
Goiás realizou o grande feito de nadar os 1500 metros no estilo borboleta. O nadador
da categoria 60+ tornou-se um dos maiores destaques ao realizar a prova
integralmente no estilo borboleta em 30 minutos e 58.55 segundos. Afonso teve que nadar numa
série em que devia dividir a raia com outros nadadores.
É evidente que nadar qualquer outro
estilo diferente do crawl numa prova de livre aumenta a probabilidade de desequilíbrio
corporal em relação a outros nadadores em paralelo que nadem o crawl (marola x alinhamento).
A própria regra não obriga as provas do nado livre serem nadadas no estilo
crawl. Considere a hipótese de estilistas de peito nadarem o 400m Livre num
mundial master sendo 02 numa mesma raia...
Permitir 02 nadadores por raia abre
precedente para o “bom senso” da arbitragem ser exercido com mais veemência. A regra
oficial FINA não obriga os nadadores que dividem a mesma raia a nadarem
alinhados ou cada um lateralmente em relação à tarja escura do fundo da
piscina. Se qualquer arbitragem local assim definir, fica a critério dos
próprios atletas adotarem algo não previsto em regra apenas por bom senso.
Intuitivamente, quando aprendi a nadar
provas longas, meu corpo se aproximava do adversário mais próximo lateralmente
seguindo-o até certo momento da prova. Enquanto colegas da época debochavam por
achar que eu nadava desorientado, hoje isso é perfeitamente aplicável por
nadadores profissionais como uma das principais estratégias de prova para
fundistas. Esse tipo de estratégia de perseguição pressiona o adversário e “pega
onda” nas águas que ele movimentou lateralmente por esforço próprio,
proporcionando que quem esteja atrás na perseguição faça esforço menor para se
manter em ritmo. Daí muitas vezes você observar em campeonatos transmitidos
pela TV aquele atleta que vinha de trás surpreender com sprint final. De onde
ele reservou energia pro final?
Independente da intencionalidade, vai
que um nadador tenha que observar à frente seu adversário vindo desorientado em
sua direção e tenha que se livrar do choque, se aproximando lateralmente do
cabo de raia e daí que sua braçada toca o cabo, de modo a apoiar para um
movimento de maior velocidade... Como a arbitragem aplica a regra e o bom senso
numa situação dessa? Até porque, quando um atleta nada desalinhado em alguma
parte da prova, não é possível arbitrar sua intencionalidade em relação ao
adversário.
Ao permitir que 02 nadem por raia, a
regra FINA também abre precedente para atitudes antidesportivas intencionais
ou não. É difícil não esquecer que na década de 1990 quando nadei as primeiras
vezes o 100m Costas e estava despontando, o adversário da raia ao lado, ao se
manter no mesmo ritmo ao meu lado, jogou água com as pernadas lateral e propositalmente.
Se isso aconteceu numa prova de costas e a arbitragem na época não desclassificou
o atleta por atrapalhar o adversário, permitir 02 atletas numa mesma raia é
aumentar consideravelmente as chances de atitudes antidesportivas, cuja
arbitragem poderia considerar algo como acidental se for proposital.
No original em inglês, a regra oficial FINA diz:
No original em inglês, a regra oficial FINA diz:
“SW
10.2 A swimmer swimming over the course
alone shall cover the whole distance to qualify.”
Nessa regra, observamos uma palavra que se destaca pela única forma de
tradução, não permitindo variações de interpretação, que é a palavra “alone”. Não
há outra tradução para “alone”
além de “sozinho”. Isso para demonstrar que o dispositivo previsto em regra não
permite interpretações paralelas, determinando a exclusiva posição do atleta em
sua raia durante o percurso.
Então, como a regra oficial FINA
determina que o nadador deva estar “sozinho” na raia enquanto
no máster se permite nadar 02 por raia? As regras masters assimilam as regras
da natação formal:
“MGR 2 Except for specific exceptions in the FINA Rules and
regulations all other FINA Rules and Regulations shall apply to Masters
Competitions” – FINA MASTERS RULES 2017 – 2021
Tradução: “Exceto para exceções específicas nas Regras e
Regulamentos da FINA, todas as outras Regras e Regulamentos da FINA serão
aplicadas às competições masters”.
Essa particularidade poderia abrir exceção para se permitir 02
nadadores por raia, mas por trás disso haveria interesses diversos além de
considerar todas as possibilidades de normas de segurança aplicável numa
competição. Ou seja, por haver conflito entre dois dispositivos
das regras oficiais, um terceiro artigo foi incluído para permitir possíveis confrontos.
Poderiam ser apresentadas diversas soluções, além de uma revisão para novas
regras masters estabelecendo como se devia nadar 02 por raia. Uma das soluções
é o emprego do índice para cada categoria, estabelecendo um número máximo de
inscritos por entidade ou país. Assim, seria possível controlar melhor os
inscritos por série. Outra solução seria distribuir as séries de provas longas
em todo o período de cada dia da competição, separando por categoria ou índice.
Quando a prova corre normalmente sem qualquer incidente, não haveria
porque levantar qualquer questão em relação à regra, seja local, seja
mundialmente. Se o risco de qualquer incidente fosse zero ao permitir 02
atletas por raia, a FINA poderia estender a regra para fases eliminatórias em
mundiais absolutos ou jogos olímpicos. Mas, vai que um atleta se inscreva num
mundial master, invista em torno de $ 4mil dólares numa viagem e na primeira
prova, sofra um acidente provocado por um adversário nadando de frente, cuja
regra oficial FINA permitia... A FINA iria ressarcir $4 mil dólares ao atleta
pelo incidente causado por sua própria regra?
Por outro lado, quando se pesa o interesse no número de inscritos num
mundial master, por exemplo, chegamos a cifras muito maiores que o arrecadado
num mundial júnior ou absoluto. Em média, 400 atletas num mundial júnior rendem
em torno de $ 120 mil dólares, enquanto 4.000 atletas num mundial master rendem
em torno de $ 2,4 milhões de dólares – só de inscrição, repito, só de inscrição
individual. Daí, a permissão de nadar 02 por raia também se tornar atrativo.
De fato, não há tantos registros de reclamações ou acidentes sobre ter que
nadar 02 por raia, assim como não se tem conhecimento de ninguém que tenha ousado
nadar os 400 metros medley, sendo 50m de cada estilo e 250m de Crawl antes das
regras de 2017. Ótimo que ocorrências de interpretação conflitantes raramente
acontecem nas piscinas ao se seguir um padrão, mesmo que a regra não especifique
a totalidade desse padrão. Porém, toda essa exposição foi necessária para uma
revisão nas regras oficias masters, de modo a incluir quem sabe, no próximo
ciclo a partir de 2021, dispositivos clarividentes que atendam sim à demanda
por um lado, mas por outro, garantam o mínimo de segurança durante o percurso
de uma prova longa.
Além do que está previsto em regra oficial FINA, é adotado por convenção
da ONU a aplicabilidade universal das normas de acessibilidade, que de alguma
forma determinam o espaço mínimo de atuação dos movimentos a partir de pessoas
normais até atingir pessoas com deficiência de movimentos. E isso deve ser
previsto em regra ao exigir o mínimo de espaço para movimentos físicos num
esporte como a natação.
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