Anatomia de um recorde - Natação do RN

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Anatomia de um recorde

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O dia amanheceu com poucas nuvens no céu e muita tensão no ar. Temperatura perfeita para grandes marcas na casa dos 13 graus centígrados. O percurso, ideal para acelerar. Uma longa reta asfaltada e protegida por dezenas de palmeiras garantia alguma sombra e protegia os corredores de um vento que praticamente inexistia em Málaga, ao sul da Espanha. No extremo norte do retão, uma suave rotatória sob medida para não desperdiçar tempo e energia em curvas. No extremo sul, um retorno sem muitas dificuldades. Para completar, um novo tênis de placa de carbono com componentes mais leves e mais responsivos, garantindo uma espécie de efeito-mola.

Era o evento de lançamento dos tênis de velocidade Metaspeed Sky e Edge. Tudo tão perfeito que chegava a ser assustador para quem tinha a responsabilidade de transformar o pacote todo em um número. No caso, o recorde pessoal na distância escolhida.

Sob um certo aspecto, o “Asics’ Meta : Time : Trials” é um evento que ajuda a explicar a loucura que virou a corrida no mundo após aparecimento da tecnologia dos tênis de placa de carbono. Os novos calçados estão para a corrida de rua como os maiôs tecnológicos estiveram para a natação no início do século. Os trajes dominaram as principais competições nas piscinas e dizimaram recordes em todas as distâncias. Os maiôs faziam os nadadores deslizarem sem tanta resistência na água e os faziam flutuar.

A analogia com os tênis não é perfeita porque na corrida o fenômeno é ainda mais poderoso do ponto de vista dos efeitos nos não profissionais. Se na piscina quem usava os caríssimos maiôs eram praticamente apenas os nadadores da elite competitiva, na corrida de rua os novos tênis são lançados para os profissionais, mas logo estão ao alcance dos amadores nas prateleiras das lojas e sites das marcas. Se o maiô foi surto, o tênis de placa é pandemia. Os benefícios de performance são escandalosamente claros. Além do “efeito mola” (a cada passada a placa “joga” o corredor para cima e para frente), há o “efeito analgésico” sobretudo em finais de provas. Ter um modelo com um significativo amortecimento sem que isso resulte em modelos mais pesados significa corredores com menos dores e prontos para empurrar a fadiga mais pra adiante.

A Asics juntou no domingo, 24 de abril, 73 de seus melhores atletas de 5, 10 e 21 km para algo muito além de uma corrida. Era um desafio controlado que misturava tecnologia, marketing e performance. Uma espécie de gran finale de uma jornada que vem se arrastando pelos últimos anos. Foi a Nike que largou na frente dessa corrida dos tênis de placa com seu primeiro lançamento em 2017, o Vaporfly 4%. Mas o pelotão encostou e agora a briga é por qualidade e desempenho. A indústria esportiva toda veio atrás e o mercado foi inundado por alternativas de tênis placa. Só no Brasil há mais de 30 opções disponíveis no mercado numa faixa de preço média de 1500 reais.

O evento de Málaga era o lançamento oficial do Metaspeed Sky e do Metaspeed Edge, dois modelos visualmente idênticos, mas conceitualmente distintos. Para os atletas de passada mais larga, o Sky entrega o ângulo perfeito da propulsão. Para corredores com uma frequência maior de passada (passada mais curta também), o Edge vem com uma outra configuração para a placa de carbono e para a espuma na entressola.

E, novo mundo, não basta dizer que o tênis é bom, macio e vai ficar ótimo no seu pé. Esse esporte se joga com números que precisam expressar verdades. E nada mais eficiente para mostrar um tênis que promete ser rápido do que botar corredores na pista melhorando suas marcas pessoais. Todo atleta profissional e amador sabe como é complicado bater uma marca. Precisa dar tudo certo, precisa “ser o dia”. Imagine colocar 73 atletas que estão em fases distintas de treinamento (alguns se recuperando de lesões) e dizer que dia 24 de abril precisaria “ser o dia”?

Dá para dizer que o projeto “Asics’ Meta : Time : Trials” funcionou. Dos 73 atletas que correram em prova homologada e fiscalizada pela Federação Internacional de Atletismo (e com exame antidoping independente também), 27 deles bateram seus melhores tempos, quatro recordes nacionais foram alcançados. Um evento desses acaba virando uma peça de marketing poderosa. Se tanta gente conseguiu em um mesmo dia fazer o seu melhor usando o novo modelo, por que o amador puro sangue ou pangaré não poderia fazer o mesmo?

Foram muitas histórias nessa manhã fria de Málaga. Algumas grandiosas como a da escocesa Eilish McColgan que cravou 14min45 nos 5 km e bateu por 3 segundos o recorde feminino britânico. Outras, menos gloriosas, como a da brasileira Valdilene dos Santos que entrou no grupo de sete mulheres que disputaram a meia maratona. Ela era, de longe, a mais lenta do pequeno grupo e por isso acabou correndo absolutamente só. Se já é complicado melhorar marcas tendo um pelotão para ajudar a marcar o ritmo, passar 21 km sem referência alguma vira uma provação. Valdilene fechou a sua meia em 1h15min, um minuto e meio acima da marca do que tinha conseguido em Valência 2021.

Mas talvez a melhor história para entender a cabeça de um atleta centrado seja do colombiano Jeisson Suarez. Assim como Valdilene, ele era um “sem turma”. Seu tempo de 1h04min45 o deixava distante dos africanos e europeus dos primeiros pelotões. Queria tentar a marca de 1h03min, mas só havia coelhos marcadores de ritmo para metas de 59min, 1h00 ou 1h01. Antes de largar, tentou combinar com o brasileiro Ederson Vilela e o eritreu Merhawi Ghebresalassie um ritmo de 1h03min. Deu errado, Ederson e Ghebresalassie não estavam conseguindo suportar o ritmo e ficaram para trás.

O colombiano passou a cobiçar o pelotão imediatamente a frente composto pelo belga Keon Naert e o suíço Adrian Lehman. Sentiu que eles estavam perdendo energia e, como um convidado impertinente que já chega abrindo a geladeira do anfitrião, se juntou a turma. E logo jantou atletas com melhores tempos que ele. Firme e confiante, acelerou e tirou um minuto de sua marca pessoal para fechar em 1h03min45. “Focando especificamente na distância, encontrando uma turma boa para treinar junto, talvez no Quênia, e com esse tênis, quem sabe eu não chego a 1h01min?”

Jeisson é uma figura. E, mais do que a maioria dos atletas, parece entender perfeitamente o papel dos atletas nesse novo momento da indústria esportiva. Já sacou que é mais do que uma simples peça na engrenagem, ele é motor para criar a percepção de que a tecnologia funciona para profissionais e amadores. Poucas vezes na corrida de rua, o desempenho da elite foi tão importante para homologar produtos e tecnologias. Mas, por Jeisson, vale seguir nesse tema, sexta-feira tem novo post sobre esse colombiano que costuma treinar perto do local da queda do avião da Chapecoense…



Fonte: Eu atleta

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