Francisco Canindé Rodrigues
* 19 de setembro de 1956
+ 11 de outubro de 2022
Lamento informar o falecimento de meu pai, Francisco Canindé Rodrigues. A consternação abalou emocionalmente nossa família diante de uma luta pela vida nos últimos dias e meses, de modo que peço compreensão da comunidade aquática, diante dos dias de luto em respeito à memória de meu pai.
Em 06 de outubro de 2022, eu havia publicado uma grande vitória que havíamos conquistado. O meu pai se submeteu a três cirurgias no coração de alta complexidade, sob risco eminente de morte (segundo estimativas, menos de 1% sobrevive após esse caso). Isso porque qualquer procedimento cirúrgico no coração já é de extrema delicadeza, imagine então três: ponte de safena, ponte mamária e correção do C.I.V. (comunicação intraventricular), sendo a C.I.V. rompida depois do terceiro infarto, o mais severo que o meu pai havia sofrido. Mesmo diante dessa complexidade, a equipe médica do Hospital Rio Grande foi perfeita em fazer as três cirurgias, conseguindo manter meu pai vivo.
Dois dias antes dessas cirurgias, eu havia visitado o meu pai pela penúltima vez, quando ele havia me olhado nos olhos e dito: "Somos mais que vencedores". Confesso que senti o impacto dessa frase, porque de alguma forma a gente se espelha em alguém e naquele momento, não era eu quem se espelhava: era o meu pai que estava se espelhando de uma forma única, como eu nunca o tinha visto antes.
Eu já tinha visto muitos campeões chegarem antes da prova com aquele ar de arrogância; já tinha visto outros se fingindo de humildes, mas não me lembro de ter visto alguém convicto da vitória com tamanha simplicidade. Foi assim que eu tinha visto o meu pai antes daquelas cirurgias: Alguém que havia se preparado para uma competição cuja medalha era apenas mais uma oportunidade de continuar vivendo. E conseguiu. Essa medalha da vida é sua, meu pai – Deus sabe. Você desejou a vida e a conquistou.
O motivo do falecimento
Nem bem havíamos dado graças a Deus pela vitória de meu pai sobre as cirurgias, agora tínhamos que nos preparar para dar graças a Deus pelo que havia de vir. Dois dias depois: a notícia vinda da enfermaria que meu pai havia pego uma infecção. Ele suportou ainda 06 dias, sustentado por antibióticos. No sétimo, faleceu. Analogamente, "Deus trabalhou na criação por 06 dias e no sétimo...". Quanto à vontade de Deus, até a contagem exata dos dias após a cirurgia sugere que havia um propósito para além daquela vitória conquistada.
Não seja coincidência qualquer, se o nome de meu pai não fizesse lembrança a um dos grandes revolucionários da Igreja Católica, que foi São Francisco de Assis, senão um dos maiores "protestantes" da História da Humanidade. Com seu silêncio, modéstia e radicalidade, aquele Francisco causou mais impacto na Igreja Católica do que muitos que por aí se alardeiam, como se fossem doutores. E o que o meu pai tinha de "Francisco" nessa similaridade era justamente apostar no esporte, apostar na educação e nos bons costumes, do que sair por aí dando socos ao vento contra quem acha que entende de religião.
Similaridade com Zezé (+1998)
O que quase ninguém sabe quando menciono o exemplo de Zezé, que foi meu ex-técnico falecido em 1998, é que muitas das atitudes de Zezé como técnico coincidentemente se identificavam com o jeito de ser do meu pai. Foram com as provocações de Zezé idênticas às provocações de meu pai na adolescência que decidi treinar sozinho, não como quem "abandona o barco", mas como quem quis se preparar para surpreender. Naquela época, eu não tinha ouvido falar de outro atleta que preferisse treinar sozinho a estar junto com a equipe. Mas eu tive que romper um paradigma, em prol daquela passagem de 01'01 nos 400 que Zezé e muita gente viram nos JERNs de 1996. A resposta dada a Zezé foi a mesma pro meu pai, não sabendo eu, naquela época, que tudo isso não se passava de uma lição de vida.
Quando eu olho pra lição, o meu coração só tem gratidão: Foram com eles que eu me mantive longe das mazelas de um bairro de periferia mergulhado nas drogas e no crime. A maioria dos que conheci na escola acabou na penitenciária ou à sete palmos. Porém, foi no disciplinamento de um esporte, foi almejando alcançar metas, que certos valores foram se tornando determinantes. Foi a forte influência militar tanto de Zezé quanto do meu pai, que o sentido para uma vida promissora tornou-se evidente pra mim. E de tal modo que chegou ao ponto de eu mesmo agora, me importar com esses garotos e garotas que surgem no esporte.
Simplicidade
Meu pai levou uma vida simples. Não fosse porque tivesse levado uma vida simples que ele vivesse com "o rabinho entre as pernas", ou seja, conivente com as duras realidades. Hoje eu posso me munir de um arsenal de argumentos, enquanto para o meu pai, tudo se resumia simplesmente à melhor das intensões.
Quando eu era garoto, meu pai sonhou em me colocar num grande time de futebol para de lá ser seleção brasileira. No entanto, quando eu já tinha uns 10 anos de idade, sofri um trauma de afogamento e desde esse dia, minha prioridade foi aprender a nadar. Queria nadar apenas para “não morrer afogado”.
Para uma família humilde lá da década de 1980, natação era sonho de consumo, coisa de elite. E um dos legados que fica do meu pai é que com ele, não tinha isso de parecer ter melhores condições numa competição. Para o meu pai, havia um gostinho diferenciado de vencer um "filhinho-de-papai", semelhante a Davi quando acertou o gigante Golias. Com certeza, o que é preciso intuir disso é que com humildade, o sabor de vencer se torna bem mais que especial.
Serenidade
Diante dos dias de luto, eu me esforcei muito para encontrar alguma culpa, seja consciente ou mesmo, inconscientemente, de alguma coisa que tenha contribuído para a morte de meu pai. No entanto, o que sempre surge na balança é o contrapeso da serenidade como o meu pai faleceu. Dias antes das cirurgias, tanto os médicos quanto alguns familiares tentaram adverti-lo sobre os riscos, mas ele encarou aquilo na maior tranquilidade. Isso para quem, ainda nos penúltimos dias, rezava e rezava com maior intensidade.
Contudo, ainda dói a lembrança de ter visto o meu pai pela última vez após as cirurgias entubado suplicando por água. Após as cirurgias, ele havia dormido a noite e o dia todo, quando acordou justamente ao termos ido visitá-lo. Na verdade, segundo escutamos das enfermeiras, ele estava em transição após ter sido sedado, mas manifestou gestos, abriu um pouco os olhos e pediu água ainda entubado. Chegou a chorar após ter ouvido minha voz e a de minha irmã que estava acompanhando, isso 05 dias antes de falecer.
(...) Já no último dia de visitas, minhas irmãs narram que ele continuava sedado, quando após oração delas, já no final da visita, a pressão caiu abruptamente e os aparelhos dispararam sinais de alerta. As enfermeiras o socorreram pedindo que minhas irmãs se retirassem. Meu pai faleceu como quem estava em transição para dormir. Seu semblante de serenidade junto com tudo que possa ter significado realçam que é preciso continuar a missão a cumprir. E que por mais simples que possa parecer, não adianta dar importância a certas coisas "grandiosas", quando tudo podia se resumir a uma das frases que mais marcou meu pai em toda sua vida:
"Meu filho, o pouco com Deus é muitoe o muito sem Deus é nada".
Última reunião em família ocorrida em fevereiro de 2022 Da esq. p/ dir.: Fabiana (irmã), Francisco (pai), Francilene (irmã), eu, Joana (mãe) e Fábia (irmã) Foto: arquivo pessoal |
Exéquias
"Meu filho, ajuda a velhice de teu pai, não o desgostes durante a sua vida. Se seu espírito desfalecer, sê indulgente, não o desprezes porque te sentes forte, pois tua caridade para com teu pai não será esquecida e, por teres suportado os defeitos de tua mãe, ser-te-á dada uma recompensa; tua casa tornar-se-á próspera na justiça. Lembrar-se-ão de ti no dia da aflição, e teus pecados dissolver-se-ão como o gelo ao sol forte."
Eclesiástico 3,14-17
"O pai morre e é como se não morresse, pois deixa depois de si um seu semelhante. Durante sua vida viu seu filho e nele se alegrou; quando morrer, não ficará aflito; não terá de que se envergonhar perante seus adversários, pois deixou em sua casa um defensor contra os inimigos, alguém que manifestará gratidão aos seus amigos."
Eclesiástico 30,4-6
"Um dos malfeitores, ali crucificados, blasfemava contra ele: "Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós!"
Mas o outro o repreendeu: "Nem sequer temes a Deus, tu que sofres no mesmo suplício? Para nós isto é justo: recebemos o que mereceram os nossos crimes, mas este não fez mal algum."
E acrescentou: "Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino!"
Jesus respondeu-lhe: "Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso."
São Lucas 23,39-43
Meus sinceros sentimentos e que Deus conforte a família e amigos.
ResponderExcluirOi Franklin meus sentimentos. Deus conforte toda a família.
ResponderExcluirE parabéns pela bela história, escrita de forma brilhante. Abraço
Meus sentimentos, que Deus conforte o coração de vocês.
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