Em abril de 2015, a FINA registrou um recorde diferente de tantos
outros: a japonesa Mielo Nagaoka – na época com 100 anos de idade (hoje com 106 anos) nadou a prova de 1500m Livre e se tornou a primeira centenária a completar a prova. O
que poderia significar pra alguém uma conquista no alto de sua terceira idade
pelo bem de sua saúde, nem sempre repercute de forma salutar para quem tem
neurose por números. Muitos hão que trilhar o bastante para chegar aos 100 anos
de idade, fazendo de sua vida uma exclusividade por números, mas nem todo
nadador máster adere à vontade exacerbada de apenas enterrar um recorde alheio.
Quase se torna inevitável beirar ideias do
que números poderiam significar na natação, ainda mais na categoria máster. Lá
nas escolinhas ou no estadual absoluto, aqueles números de tempos e recordes
poderiam exprimir a vontade de vencer, dar o melhor, alcançar o limite – o
impossível. Mas considere que depois dos 30 anos de idade, a musculatura
corporal humana já havia estabilizado seu crescimento e começa o processo de
manutenção muscular sob pena de perda corpórea gradativamente com o tempo – e
isso é uma lei inevitável do ponto de vista natural. Caminhamos de acordo com a
lei da entropia. Se ignoramos certas explicações científicas (necessárias),
corremos o risco de continuar a ver o colega máster como uma real ameaça
daquela medalha que você ainda não conquistou.
Que ele seja sua real ameaça, mas vai que
você se esqueça que depois dos 30 nossa maior preocupação máster é muito mais
contra as leis naturais do que contra súbitos adversários de prova. Depois dos
30, primeiro vença as leis naturais (se puder), depois “dê tchau” praquele que
você considera seu adversário. Fugir do fato pode esconder um lugarzinho ali no
inconsciente que fará a imagem de teu adversário te acompanhar pelas idades,
sejam 30, 40, 70... 100 anos! Daí, você que passou a vida nadando 50 metros,
iria encarar o 1500 aos 100 anos? Seu adversário ainda estaria ali?
Aquela japonesa completou o 1500, tendo
iniciado a natação aos 80 anos de idade por recomendação médica para
fisioterapia. Aristóteles exprimiu muito bem o que isso significa quando você
vive este momento chamado hoje, atribuindo à natação a real capacidade de
experimentar a felicidade. Então, se aquela senhorinha japonesa lá do outro
canto do mundo foi feliz nadando 1500, por que você não seria nadando qualquer
que seja a distância? O foco aqui não é 1500 ou 50, o foco é ser feliz.
No entanto, é extremamente desumano ignorar
uma conquista que serve de exemplo de quem viveu aquele momento de felicidade
ao completar a prova, para esnobar seus tempos de juvenil no 1500m Livre. Um
nadador máster com seus 30, 40, 50 anos ter complexo de superioridade por não
conseguir aceitar que alguém aos 100 anos nadou 1500, como se tivesse aquela
mesma performance de seus 17/18 anos... a expressão resume: sem noção.
Totalmente sem noção.
Na natação máster, queremos fazer amizade com
todos, mas nem todos querem aceitar o fato de que seu limite beira as leis
naturais. Poderia ser falta de humildade, poderia ser algum fantasma
inconsciente, mas caia na real: a natação é uma das coisas que experimentamos a
felicidade de imediato, segundo Aristóteles! Inicie uma braçada e conclua o
ciclo, coordene suas pernadas e gire os ombros, respire e sinta. Apenas sinta.
Felicidade se sente, embora buscamos palavras para expressá-la. Mas, na natação
máster, se não se busca felicidade, se torna mais um meio de fugir daqueles
teus adversários fantasmas, que perseguem teus tempos a cada vez que você nada
50, 100, 200, 400... 1500 metros.
O campeão olímpico Anthony Ervin
(50m Livre, Rio 2016) já fez seu melhor tempo na categoria máster. O brasileiro
Nícholas Santos (50m Borboleta, ranking FINA 2017), também. Mas você faria o
melhor tempo de Nícholas? Você faria o melhor tempo de Antony? Ou, você faria o
seu melhor tempo? Hoje.
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