Que exista oportunidade melhor, eu não sei. Conhecendo a realidade de várias equipes de natação, entendemos que toda equipe quer vencer e se manter vitoriosa. É pra ser assim mesmo. Mas nem sempre ganhar mais e mais medalhas é sinônimo de vencer. Abrindo o baú da minha história pessoal, acredito que uma lição realce o sentido para quem quer vencer, independente do número de medalhas.
Meu ex-técnico José Renato Ribeiro Alves "Zezé" (+1998) foi um técnico determinante. Encaixar alguns adjetivos dele talvez não cause tanto efeito quanto algumas de suas lições que elencam como que os "10 mandamentos de todo técnico de natação". Tudo bem, não vamos aqui mencionar outros "09 mandamentos", mas tem um que não pode passar despercebido, mesmo diante de tanto tempo, desde aquela década de 1990...
Zezé era competitivo. Não, não era competitivo: era muito mais que competitivo. Zezé quase que brigava com a sombra pra ver quem chegava primeiro. Exageros à parte, existem recordações que acabam trazendo à tona como algumas metodologias de treinamento acabaram se tornando melhor adaptadas à nossa realidade por um lado, mas por outro, eu sinto muito em dizer: "Não se fazem Zezés por aí como antigamente".
Já vi equipe de velocistas, todos eles fazerem abaixo de 05'00 nos 400 m Livre de uma só vez num campeonato. Isso foi de quebrar o queixo. Pior ainda é você ter o queixo quebrado de novo, quando aqueles mesmos velocistas só fizeram isso uma única vez na vida (coincidentemente). Ueh? Cadê o trabalho de resistência? Não, não se trata de resistência: trata-se de teimosia. Zezé era teimoso e quando alguém começava uma série em A2 (nos dias de hoje) pra 01'08 nos 100, tinha que fazer 01'08 até o trigésimo tiro.
Zezé provocava muita admiração com a equipe que produzia. Foi na época em que a equipe do Português de Recife treinada pelo então técnico Alexandre Pussieldi foi campeã brasileira, que Zezé projetava talentos no intuito de encarar a competição de igual pra igual. E quando um atleta muito talentoso não aceitava ir pra sua equipe, ele era feito "ponto de referência" para todos os outros superarem. Havia atletas de outras equipes que competiam muito mais com Zezé do que com seus adversários na piscina. Era indescritível essa profundeza pelo sabor de competir de Zezé.
Os tempos mudaram e trouxeram novas metodologias de treinamento. Isso fez com que uma geração de garotos cheia de talentos de repente despontasse com resultados incríveis, diante daquilo que a gente se esforçava tanto, lá na década de 1990 pra conseguir. Disseram-me uma vez: "O que se ganha fácil se perde fácil". E aqui não é preciso se deter em números exatos, mas é indiscutível que estatisticamente, hoje, esses novos talentos facilmente desistem do esporte quando encontram a menor das barreiras.
Lá na década de 1990, Zezé botava a gente para fazer 400 abdominais antes do treino. Hoje, os técnicos dizem que não precisa. Quando a gente sentia dor abdominal lá pros 350, Zezé olhava firme dizendo que era pra conseguir terminar os 400. Hoje, se o garoto sentir qualquer dorzinha, o técnico passa a mão na cabeça e libera pra ir pra casa. A gente competia em 06 provas para dar resultado nas 06 provas. Hoje, se a menina tiver encontro com o namorado, ela deixa a equipe de revezamento e vai embora, e a equipe perde pontuação e fica por isso mesmo. Depois, trocam frases de efeito de Michael Phelps ou Cesar Cielo nas redes sociais. Dá pra saber em qual época seria melhor treinar natação?
Zezé também tinha seus trunfos. Um dos mais admirados trunfos de Zezé é visto hoje nas principais equipes de natação a nível nacional. Simples: a equipe era subdividida entre si de modo a provocar competitividade entre todos os nadadores. Havia uma equipe que participava de campeonatos regionais com atletas que podiam disputar brasileiro e outra que treinava para conseguir vaga na primeira. E todos participavam do campeonato estadual. Era no estadual que a gente tinha que "buscar vaga" para a "equipe principal". Ou seja, o campeonato estadual se tornava ainda mais competitivo quando os atletas tinham que disputar entre si (categorias), conquistar medalha e ainda, conquistar vaga na equipe principal para viajar para outros campeonatos.
Eu me recordo que quando consegui vaga para um revezamento na equipe principal de um campeonato absoluto em 1995, aquilo me trouxe tanta responsabilidade de um jeito, que a medalha de bronze conquistada até hoje soa como se fosse praticamente "olímpica". Foram esses e outros momentos que faziam a gente crescer não só fisicamente em cada prova que se baixava tempo: a gente também crescia como pessoa.
Então, a equipe naquela época não tinha propriamente um "gato pingado" despontando talento. Todo mundo competia entre si, todo mundo era treinado para ser o melhor. E é nesse sentido que aquela antiga equipe do Sesi era temida no RN ou até mesmo mais do que temida: era desejada. Quantos atletas não vieram da AABB, ou do Neves ou do América só para se integrar à equipe do Sesi?! E havia amizades e muita cumplicidade, sem deixar de ser competitivo.
Uma coisa que é preciso pontuar é ser competitivo sem se tornar propriamente inimigo de seus adversários. Vamos separar a luz das trevas aqui. Pois, uma coisa que precisa ser sempre trabalhada é essa clareza e distinção que no momento em que se forma uma equipe para disputar estadual, regional ou brasileiro, necessariamente porque seu adversário teria religião, cor ou situação econômica diferente da sua, isso não quer dizer que ele seria seu inimigo ou coisa parecida. Zezé soube muito bem tratar adversário diferente de inimigo. Uma de suas melhores respostas era o cronômetro.
Apesar de parecer nostálgico, o que se pretende é pesar na balança o que realmente tem feito sentido na formação de equipes de natação nos dias de hoje. A profissão de educador físico tem sido duramente desvalorizada, apesar de tantas novas metodologias ou até tecnologias de treinamento, somando a isso a enxurrada de informações disponíveis na web. Essa última tem conseguido simular a necessidade imprescindível da presença de um técnico que saiba liderar o caminho para uma conquista e com isso, tornado a profissão ainda mais deixada de lado com todos os seus méritos.
Além de oportunidades ímpares que se tem na condução de uma equipe, a competitividade tem sido aquilo que determina a excelência de resultados para que um técnico tenha do que se orgulhar de seus atletas. Mas como o Brasil tem carecido de líderes e surgido lideranças forjadas, sentimos essa onda impactando nossa atual realidade de forma negativa. Não há como voltar no tempo, por mais que se deseje, e refazer os caminhos, mas a questão que fica: O que as lições do passado podem ajudar a impulsionar o futuro de um atleta ou de uma equipe?
Isso porque ninguém conquista medalha sem que haja sentido ou mesmo, que esse sentido tivesse sido sabiamente provocado por uma liderança como um técnico competitivo. É daí que muitas vezes um atleta poderia até acumular medalhas e mais medalhas, mas se alguma delas não tiver sentido, de que importa pra ele vencer?
É o sentido que causa efeito num atleta. É o sentido que pode tornar a profissão de educador físico mais valorizada e com isso, elevar a qualidade de nossos atletas e equipes. E é o sentido que diferencia de forma determinante o que é ganhar medalha e o que é vencer uma prova. E isso foi um daqueles mandamentos que Zezé passou pra gente, mesmo que pelas entrelinhas das necessidades de educativos todos os dias.
Que coisa linda, Franklin. Que emoção. Que bela homenagem. Quantas lembranças boas. Obrigada por tudo, principalmente por ter feito e ainda fazer parte de uma família que não morreu em 1998, mas se fortaleceu e continua unida até hoje. Tudo isso fruto dessa garra que ele tinha e por sempre nos fazer entender que tudo aquilo era mais que um esporte. . Obrigada de coração
ResponderExcluir