As Olimpíadas Rio 2016 culminaram numa realização
pessoal que transcendeu a necessidade de conquistar um índice, quando a
oportunidade em si se resumiu num desdobramento histórico. Por outro lado, foi
como se o índice já estivesse impresso na conquista daquela essência após altos
desempenhos na piscina comprometidos por acidentes de percurso. O típico amor
perdido. Sim, um amor perdido que necessariamente não seria carregado por lamúrias
anos após anos, se de fato não desembocasse naquele momento histórico de uma
conquista perpassando minha existência.
De tal forma esse desdobramento significou
algo que além de estar dentro da olimpíada, ainda pude acompanhar a classificatória
de uma prova de um potiguar nadando o 100m Borboleta. É verdade que o Bruno
Fratus foi criado e teve sua primeira formação de atleta em terras potiguares
sendo ele carioca, porém foi o Marcos Macedo o autêntico potiguar que marcou
nossa história como nosso primeiro nadador olímpico. E de quebra, ainda sentir
a vibração da galera naquelas arquibancadas em dois momentos especiais: o
recorde no 800m Livre Feminino da americana Katie Ledecky e quando o Michael
Phelps foi chamado pra série. Ambos momentos-auge de se sentir dentro não só
das olimpíadas, mas como se estivesse ali dentro daquela série, daquela
piscina, braçada a braçada...
E o que acontece depois de um sonho? A
gente acorda com novos ares... Ares de uma maturidade advinda de uma
experiência infantil guardada por anos. Quem não completou seus 20, 40, 60 anos
e carregou algo que ficou incompleto lá na infância? E como a infância é uma
fase tão necessária para o crescimento e a maturidade, há aspectos de nossa
existência que se esbarram em obstáculos, quando é preciso intuir algo
importante para nossa realização como pessoa. Às vezes, aqueles obstáculos nos
surpreendem de tal forma que não conseguimos ir adiante. Mas outras vezes, eles
são necessários. E foram necessários como trampolim da infância para uma nova
realidade pós-olimpíada. Acabei vendo a natação com outra ótica.
Descrever os grandes momentos vividos nos
Jogos Olímpicos Rio 2016 seria algo surreal pela grandiosidade da organização
brasileira e pelo show dos atletas e equipes. Um país dito anteriormente de
“terceiro mundo” ou em desenvolvimento não poupou dar ao mundo o que uma
Olimpíada merecia. Se o que foi gasto não se expressou na quantidade de
medalhas conquistadas, controvérsias políticas mostraram que somos um povo que
ainda tem muito o que aprender com democracia.
Pontue-se a crise vivida pela CBDA logo
após as Olimpíadas, aquém do herói nacional César Cielo não ter conseguido
classificação a tempo. Sem Cielo, esperava-se que a sorte estivesse ao lado de
nossos nadadores – alguns surpreenderam até conseguindo ir para finais; porém
apostando na “sorte”, nadador algum teria convicção de seu lugar no pódio. Afora
os novatos com futuro promissor na seleção brasileira, dentro das piscinas bons
ventos sopraram a favor de quem intuiu a grandiosidade das Olimpíadas. Ora,
para um grande evento, grandes atletas brilham no pódio – esse foi e
continua sendo o legado das Olimpíadas.
Para quem continua apostando na sorte
surpreenda-se com a que seria a única medalha da natação brasileira, mas nas
maratonas aquáticas com o bronze de Poliana Okimoto. Muito merecido, por sinal,
principalmente pela demonstração de que nadar 10mil metros não é apostar na
sorte como quem nadaria 50. A convicção de que dar tudo em 10mil metros obteria
o fruto de anos de árduo trabalho não seria aquela de centésimos resultantes de
reflexos que diferenciam um nadador “máster” de 35 anos contra outro de 27 ou
tantos outros mais novos.
Mas aquele Brasil que torceu através da mídia
ali no sofá não pareceu o mesmo que mergulhou em 50, 100, 200 ou 400 metros.
Quem nada sabe muito bem que aquele mundo aquático é bem diferente deste aqui
por sobre a terra. É tão diferente que a cada 04 anos, em menos de 01 minuto se
vê na TV o que nadadores passaram 06 ou 08 horas diárias treinando sem serem
vistos.
No lugar deles exaustivamente na TV: o
privilégio de um futebol que absolutamente apostou muito mais na sorte daqueles
pênaltis do que qualquer um que fez acima de 25 segundos no 50m Livre. Quem
mergulha naqueles 50, 100... 1.500 metros se desliga deste mundo e sonha hastear sua
bandeira nacional lá no pódio, mas se envergonha do privilégio dado a
modalidades que por si não exigem investimento em educação (disciplina e
conhecimento). Não se viu qualquer nadador classificado como 2º ou 61º lugar ofender
seu adversário ou muito menos a torcida, como fez Neymar na seleção de futebol.
Esse Brasil que estava lá no sofá
amordaçado pela ditadura midiática parece não se importar com o nível
intelectual de seus atletas que um dia vão crescer e seus ligamentos não
suportarão mais esforços demasiados. Que futuro plantar a partir de uma
Olimpíada conquistada e realizada de forma controversa? Politicamente
controversa. Tentou-se eximir a política ao máximo para que pelo menos, os
atletas brasileiros se concentrassem em suas provas, como na natação. Porém,
insinuações à parte, os resultados tendenciosos pelo insucesso da maioria apontam
a grande influência política nos esportes – o típico e sugestivo voto de protesto.
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Foto: Arquivo pessoal |
Meu ex-técnico Zezé (José Renato Ribeiro
Alves, 1953-1998) foi aquele que soube incitar, instigar, tirar do sério, olhar
para aquela capacidade que você não conseguia ver em si, como aquela criança
que tira o sumo do xique-xique, como poucos fazem e nos dão orgulho. Trabalhou com
convicções e de alguma forma conseguiu imprimir isso em sua equipe. Não pude
dizer-lhe: “Zezé, eu consegui estar numa olimpíada”, como um filho diria para o
pai que realizou um sonho infantil. Mas aos garotos e garotas que estão despontando
com seus 11 ou 14 anos, eu lhes digo: “Vale a pena! Acredite!”. Aprendeu a
nadar? Você consegue mais!
Que o legado das Olimpíadas no Brasil
inspire novos talentos, talentos que não fiquem na intenção desmotivados ou
esbarrados por conjunturas políticas, econômicas ou sociais. Que esse legado
inspire o povo brasileiro em sua convicção como nação, para que se orgulhe de seus
filhos que não fogem à luta. Pois quer mergulhe em 50, quer atravesse 10 mil
metros, o vento de Deus continuará a pairar sobre as águas (cf. Gn 1,1).
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