Depressão na pandemia: Atividade física ajuda prevenção e tratamento

Sentir tristeza ou angústia é natural diante de um cenário tão caótico e anormal como o atual, da pandemia de Covid-19, em que se unem o medo do coronavírus, alterações nas dinâmicas de trabalho e lazer, incertezas quanto ao futuro e notícias sobre centenas de mortes por dia.




Numa pesquisa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) realizada no mês de maio, foi atestado que mesmo com todas as regras de distanciamento, com a suspensão de alguns serviços e a fuga de pacientes de consultórios médicos em geral, 47,9% dos médicos psiquiatras tiveram aumento no número de consultas. A pesquisa da ABP ainda mostrou que 89,2% dos psiquiatras identificaram que seus pacientes tiveram sintomas agravados no período de quarentena e que 70% dos profissionais afirmaram ter recebido novos pacientes após o início da pandemia, pessoas que nunca tinham apresentado sintomas psiquiátricos anteriormente. 

Lidar com a ideia de um vírus letal para o qual não há vacina ou remédio com capacidade de cura e ter toda a rotina alterada abala desde crianças sem aulas até adultos preocupados com o distanciamento físico e a crise econômica. Passa ainda pelos idosos, principal grupo de risco da doença, que, além da preocupação com a saúde, ainda estão muitas vezes distantes dos filhos e netos por conta das medidas de prevenção. Isso leva a alterações de humor, com picos de ansiedade, estresse, irritabilidade ou tristeza. O médico psiquiatra Diomildo Andrade aponta que os sintomas podem até se cruzar entre si, mas existem aspectos que delimitam a fronteira entre tristeza, angústia e depressão.


"A depressão consiste na presença de humor deprimido, em que o indivíduo sente uma tristeza elevada e constante, ou de anedonia, que é a perda no interesse em realizar quase todas as atividades que antes eram prazerosas. Esses sintomas se apresentam no decorrer do dia inteiro, e quase todos os dias da semana, pelo período mínimo de duas semanas. Além desses dois principais sintomas, a pessoa pode apresentar alteração em peso e apetite, no sono (com insônia ou sonolência excessiva), agitação ou a percepção de lentidão, pensamentos de inutilidade ou culpa excessiva, dificuldade para se concentrar e realizar tarefas e, por último, mas não menos importante, pensamentos recorrentes de morte, que pode inclusive levar o indivíduo a tentar algo contra a própria vida" – explica o médico, esclarecendo que cada pessoa que sofre com depressão apresenta uma gama de sintomas, mas não necessariamente todos eles.

Alguns sintomas da depressão:
  • Tristeza profunda;
  • Distúrbios alimentares: falta ou excesso de apetite;
  • Perda ou ganho excessivo e repentino de peso;
  • Distúrbios do sono: insônia ou dormir demais;
  • Falta de ânimo;
  • Pessimismo;
  • Baixa autoestima;
  • Sentimento de culpa;
  • Irritabilidade;
  • Desenvolvimento de manias;
  • Dores e outros sintomas físicos sem motivo aparente;
  • Dificuldade de concentração;
  • Insegurança;
  • Sensação de medo ou desespero;
  • Fadiga;
  • Choro excessivo e constante;
  • Ideia de suicídio.


Hoje, a depressão afeta mais de 320 milhões de pessoas no mundo, o equivalente a 4,4% da população, sendo o Brasil o país que possui a maior taxa da doença na América Latina: 5,8% dos brasileiros sofrem com o problema, segundo relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2018. Logo após a decretação da quarentena, para entender o impacto da pandemia na saúde mental dos brasileiros, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) conduziu um estudo que mapeou os casos de depressão. Segundo os dados, eles praticamente dobraram. Além disso, as ocorrências de ansiedade e estresse seguiram o mesmo caminho e tiveram um aumento de 80%. Para a pesquisa, 1.460 pessoas, em 23 estados, de todas as regiões do país, responderam a um questionário on-line com mais de 200 perguntas, em dois momentos específicos, de 20 a 25 de março e de 15 a 20 de abril.

O estudo apontou que as mulheres estão mais propensas do que os homens a sofrer com estresse e ansiedade durante a quarentena. Alimentação desregrada, doenças preexistentes, ausência de acompanhamento psicológico, sedentarismo e a necessidade de sair de casa para trabalhar são tidos como fatores de risco. Já para a depressão, as principais causas são alterações químicas no cérebro, idade mais avançada, ausência de crianças em casa, baixo nível de escolaridade e a presença de idosos no ambiente doméstico. Além disso, é importante ter em mente que, apesar de não ser uma condenação, a depressão tem componentes genéticos que aumentam as chances de descendentes de pessoas depressivas de desenvolver o transtorno ao longo da vida, como explica o médico psiquiatra Higor Caldato, que ainda coloca o apoio da família e amigos como crucial em quadros depressivos.

"Os familiares de primeiro grau de indivíduos com transtorno depressivo têm risco duas a quatro vezes mais elevado de desenvolver a doença que a população em geral. A herdabilidade é de aproximadamente 40%. Em qualquer suspeita de que um familiar ou pessoa próxima está com quadro de depressão, não se deve diminuir, nem comparar o sofrimento dessa pessoa com a de outros. Sofrimento não tem medida. Seja um bom ouvinte e se coloque à disposição para dar qualquer suporte necessário. É importante que a pessoa sinta acolhimento e compreensão de sua condição para que o desespero não chegue" – aconselha o psiquiatra.

Como atividade física pode ajudar?
Um estudo conduzido por pesquisadores de Harvard no ano passado atestou que pessoas ativas fisicamente são muito menos propensas a desenvolver a depressão clínica do que sedentários, mesmo no caso de pessoas que herdam o risco elevado para a condição. A pesquisa ainda descobriu que quase todo tipo de atividade física, seja extenuante ou leve, ajuda a compensar a propensão genética das pessoas para a depressão, embora os benefícios sejam maiores quando se exercitam com mais frequência.

Afinal, componente genético, situações traumáticas e fatores sociais, como a violência, o luto ou estresse, são gatilhos para a depressão. No entanto, as alterações químicas no cérebro, que podem ser ocasionadas por esses gatilhos, ainda são as causas prevalentes, especialmente em relação aos neurotransmissores (serotonina, noradrenalina e dopamina), substâncias que transmitem impulsos nervosos entre as células.

A atividade física afeta corpo e mente, promove bem-estar e socialização e ainda libera dois hormônios que atuam no humor e auxiliam no tratamento da depressão:
  • Endorfina, que promove sensação de bem-estar, euforia e alívio das dores;
  • Dopamina, que tem efeito analgésico e tranquilizante.

Outras pesquisas já indicavam o exercício como aliado no tratamento, além de relacionarem a alta aptidão aeróbica com menor risco de depressão; enquanto outros experimentos envolvendo pessoas que têm depressão mostram que o exercício frequentemente diminui a duração ou severidade de seus surtos. O psiquiatra Higor Caldato acredita que, diante de um transtorno mental, é preciso avaliar a gravidade para determinar qual é a melhor forma de tratamento, medicamentoso ou não. O tratamento não-farmacológico deve ser considerado em todos os casos, mas é necessário analisar as relações sociais, de trabalho e o contexto familiar, além de outras condições médicas, para se chegar ao veredito.

"A atividade física regular, principalmente aeróbica, estimula a neogênese, formação de novos vasos sanguíneos no cérebro. A maior irrigação (chega mais oxigênio e nutrientes) permite o melhor funcionamento de regiões cerebrais importantes responsáveis pela aprendizagem, tomada de decisões e memória. Com isso, o aproveitamento das psicoterapias se torna maior, assim como a ação dos medicamentos quando necessários. No entanto, é importante entender que em casos graves de depressão, onde a falta de energia é um sintoma muito significativo, talvez o paciente não consiga realizar atividade física inicialmente. Esses são casos que, possivelmente, precisarão de ajuda medicamentosa com uso de antidepressivos. Portanto, a melhor forma de tratamento ainda é a individualização de cada caso" – afirma o médico.

Para realizar o estudo, os pesquisadores de Harvard tiveram acesso ao registro de 8.000 homens e mulheres, com os hábitos de exercícios, amostras de DNA e aspectos da saúde dos voluntários. Após traçarem os perfis, foi elaborado um questionário sobre a prática física dos investigados durante o ano anterior, incluindo atividades como caminhadas, seja para exercício ou transporte, corrida, ciclismo, musculação ou participação em aulas de dança ou yoga.

Após a análise do DNA, com o objetivo de encontrar variações genéticas, os voluntários foram divididos entre alto, moderado ou baixo risco herdado de depressão. Além disso, houve verificação dos registros médicos de cada pessoa em busca de códigos que indicassem um diagnóstico de depressão antes de entrar para a pesquisa.

Ao final, com o cruzamento dos dados, notou-se:
  • Pessoas ativas fisicamente tinham menos risco do que pessoas que raramente se moviam, e o tipo de exercício quase não importava. Se alguém passasse pelo menos três horas por semana participando de qualquer atividade, seja ela vigorosa, como correr, ou mais tranquila, como yoga ou caminhada, existia uma menor probabilidade de ficar deprimido do que os voluntários sedentários. O risco caía ainda mais 17% a cada 30 minutos adicionais de atividade diária.
  • A ligação entre o movimento e a melhora da saúde mental se manteve para pessoas que haviam experimentado depressão no passado. Para quem relatou a prática de exercícios, o risco para um novo episódio de depressão caía, em comparação com os riscos para pessoas inativas com um histórico de depressão.

É bem verdade que o exercício físico não apagou o risco de depressão para todos. Ele não é cura, pessoas ativas desenvolveram a depressão. Mas ele foi capaz de minimizar a probabilidade, mesmo para pessoas nascidas com uma predisposição para a doença. Esse tipo de estudo observacional não pode nos mostrar, no entanto, se o fato de ser fisicamente ativo faz com que as pessoas permaneçam mentalmente saudáveis, apenas que o exercício e a saúde mental estão ligados.


Fonte: GE



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